O evangelho de Jesus Cristo é simples. Simples na forma e simples no conteúdo. A vida e o
ministério de Jesus acontecem num cenário simples. Ele anunciou as boas novas do reino de
Deus, demonstrou a presença do reino através de palavras, exemplos e ações. Convidou pessoas
para estarem e aprenderem com ele. Sofreu as incompreensões do sistema religioso e político do
seu tempo. Morreu e ressuscitou. Após a ressurreição, encontrou-se com seus discípulos e
comunicou-lhes que recebera toda autoridade no céu e na terra, e que, como Rei e Senhor, enviou
seus discípulos para anunciarem as boas novas, levando homens e mulheres a guardarem tudo o
que ele ensinou, integrando-os numa comunidade trinitária por meio do batismo, e prometeu estar
com eles todos os dias, até o fim.
Alguns dias depois, no meio da festa de Pentecostes, 120 discípulos estavam reunidos em
Jerusalém, e a promessa de Jesus se cumpriu. Todos foram cheios do Espírito Santo, começaram
a viver a nova realidade anunciada por Jesus, saíram alegremente, por todo canto, pregando a
boa notícia de que Deus visitou seu povo e trouxe salvação, justiça e liberdade.
A história seguiu e os cristãos foram se multiplicando, organizando igrejas, criando instituições,
formas e ritos. Porém, as instituições cresceram e suas estruturas se tornaram mais complexas e
sofisticadas. Transformaram-se num fim em si mesma. A simplicidade do evangelho foi substituída
pela complexidade institucional.
C. S. Lewis, na carta 17 do livro "Cartas de um Diabo a seu Aprendiz", aborda o tema da
glutonaria e afirma que uma das grandes realizações do maligno no último século foi retirar da
consciência dos homens qualquer preocupação sobre o assunto, e isso aconteceu quando ele
transformou a "gula do excesso na gula da delicadeza". Para C. S. Lewis, o problema da gula,
muitas vezes, não está no excesso de comida, mas na sofisticação, na exigência de detalhes em
relação ao vinho, ao ponto do filé ou ao cozimento da massa. Fica impossível atender a um paladar
tão sofisticado. A simplicidade do ato de comer dá lugar à sofisticação gastronômica. Pessoas
assim, segundo o autor inglês, demitem cozinheiras, destratam garçons, abandonam
restaurantes, cultivam relacionamentos falsos e terminam a vida numa solidão amarga.
Como igreja, corremos o mesmo risco. A simplicidade e pureza do evangelho já não
provocam prazer na maioria dos cristãos ocidentais. A sofisticação da igreja, sim. É o vaso
tornando-se mais valioso que o tesouro contido nele. Se a música não estiver no volume perfeito, o
ar condicionado no ponto exato, a pregação no tempo apropriado, com conteúdo que agrade a
todos os paladares e com o bom uso dos aparatos tecnológicos, talvez eu não me agrade desta
igreja.
Justificamos a sofisticação com expressões como "busca por excelência", "relevância",
"qualidade". Parece justo. O problema é que a excelência ou a relevância do evangelho está
exatamente na sua simplicidade. É cada vez mais fácil encontrar cristãos que acharam a "igreja
certa" do que os que simplesmente encontraram o evangelho. A sofisticação da igreja mantém o
cristão num estado de espiritualidade falsa e superficial. A maior deficiência do cristianismo não
está na forma, mas no conteúdo.
A verdadeira experiência espiritual requer um coração aquecido e não sentidos aguçados.
Precisamos elevar nossos afetos por Cristo, seu reino, sua Palavra e seu povo, e não os níveis de
sofisticação e exigências institucionais. O vaso deve ser de barro, sempre. O
tesouro que ele guarda, o evangelho simples de Jesus Cristo, é que tem grande valor. A
sofisticação produz queixas, impaciência, falta de caridade e egoísmo. A simplicidade sempre nos
conduz a compaixão, sinceridade, devoção e autodoação.
• Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do
Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de "Janelas para a Vida" e "O Caminho do
Coração".
fonte: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/340/a-simplicidade-do-evangelho-e-asofisticacao-
da-igreja